Menina Indiana


Quem é você menina indiana? E que ventos a trouxeram à essa terra?Já de início, por ser menina, sua vida correu risco, mas os ventos que a trouxeram persistiram e se continuarem persistindo, você poderá pisar por longo tempo nesta terra chamada Índia.

E isso não será fácil, mas há homens e mulheres nesta terra que estão lutando por você, para que possa ter direito à vida e não à sobrevida, para que você possa sonhar e não ser oprimida.

Vivendo por estas bandas, que seus pés não pisem apenas na terra-terra Índia, mas que seus pés possam pisar na terra-céu Índia e acessarem toda a sabedoria que existe por aqui, reflexo de sua sabedoria esquecida.

Um dia, ainda em Bir, fui comprar farinha para fazer chapati, e no balcão da loja havia um jornal com uma propaganda de quase uma página sobre um encontro nacional “Save the Girl Child”. Impulsivamente tirei algumas fotos sem saber o que exatamente faria com elas. Passou-se algum tempo para que enfim tivesse a coragem de escrever sobre o assunto. Coragem, pois sendo mulher falar de outra condição feminina oprimida sem cair em julgamentos e sem esquecer a base espiritual pela qual tenho buscado me treinar, é um desafio.

Para começar, por que “Save the Girl Child” e não “Save the Child?”. Discriminação sexual por parte dos conferencistas indianos? Não. Porque nascer mulher na India é um grande obstáculo à vida e as condições de vida. A Índia tem crescido muito em todos os campos nos últimos tempos, mas o preconceito contra a menina criança é predominante no país e está enraizado culturalmente. De acordo com o site “India Child”, o infanticídio não é o único problema que acontece às meninas indianas, muitas vezes mortas quando bebês e deixadas em latas de lixo. Em cada fase da vida, a menina indiana é discriminada e negligenciada, tendo como base a nutrição, educação e nível de vida. Isto porque a nação idolatra os filhos e lamentam as filhas. 

De acordo com a ONU cerca de 750.000 meninas são abortadas todos os anos, mesmo sendo ilegal na Índia a determinação do sexo fetal antes do nascimento e a seleção sexual. Há um grande número de clínicas privadas com ultra-som que fazem negócio com isso. Segundo um texto escrito por um indiano, Sumita Thapar, as pessoas procuram estes serviços e pagam para saber o sexo do bêbe. A tecnologia que serviria para beneficiar a mãe e a criança tem sido uma arma de destruição, mais de 6 milhões de mortos em 20 anos. Como a prosperidade tem chegado na Índia, o dote aumentou (é, na Índia ainda tem este papo de dote, daqui a pouco será tão poucas mulheres, que os homens que terão que paga por elas!). Então, filhas são consideradas um entrave econômico, ainda mais para a população mais pobre. Segundo, Sumita, muitos pais não querem que as filhas tenham uma educação elevada, pois um noivo mais bem sucedido vai querer um dote maior. 

A lei na Índia sobre o assunto é clara e fácil de ser usada, mas é preciso uma mudança que atue num nível educacional. Um outro fator determinante de mudança, é o fato da mulher está começando a participar mais da força do trabalho, e isso poderá ser um diferencial na mudança de como as mulheres são vistas. 

Outro passo na busca de soluções foi um programa lançado em 2008 pelo Governo da Índia de Transferência condicional de fundos, chamado “Dhan Laxmi”, a fim de incentivar as famílias a darem melhores condições de educação para as meninas. “No âmbito do regime, um montante significativo será prestado à família das meninas no cumprimento condicional a certos itens específicos, incluindo nascimento, matrícula, a imunização, a escola e o atraso do casamento da menina até a idade de 18 anos. Sob o regime do “Dhan Laxmi” um seguro no montante de 1 LAKH (100 mil rúpias) será fornecido para a criança do sexo feminino em seu nascimento e cerca de 2 LAKH em dinheiro será fornecido para a família, de preferência à mãe, através do regime”. A idéia é mudar a noção da família sobre o valor da menina, associando o nascimento dela a entrada de dinheiro na família, e não a um estorvo econômico. Pelo que entendi o programa tem sido testado em alguns estados.

Vivendo pela India, numa parte bem pequena dela, na verdade, fui percebendo o número maior de homens, o quanto a mulher ocidental tem que ter cuidado na sua forma de vestir, por onde andar, mas também vi várias crianças e adolescentes de ambos os sexos indo para escola, e demonstrações de cuidado e carinho de indianos com suas filhas. Pude perceber também que a mídia tem influenciado bastante, novos ícones nacionais tem tido um papel importante na influência das pessoas, principalmente da juventude. As mulheres aparecem em vários programas de televisão, mostrando que o papel da mulher tem mudado e ganhado espaço. Assim, como o Brasil foi conquistando tantas coisas ao longo dos anos, acredito que por aqui será assim também.

Lendo e depois escrevendo sobre a menina indiana, um momento de dor veio ao coração. Talvez eu já tenha sido uma menina indiana em alguma vida, e não contentando em ter sido despejada, resolvi nesta vida voltar como uma “menina brasileira indiana”. Que pensamento, heim Juliene? Risos! Mas a dor vai além do pensamento, e aspira que a nova geração de meninos e meninas, que vão para a escola com seus uniformes fofos e tem acesso a internet, possa mudar a Índia no que ela tem de obscuro, e possa conservar uma Índia no que ela tem de grandioso e sagrado. Enquanto isso, meus pés pisam por estas terras tão paradoxas, obscuras e grandiosas, e pisando por estas terras-terra, eu vou olhando para minha própria escuridão e paradoxos, desafiando a minha mente a lembrar da condição sagrada que nós todos somos.

Eu pisando aqui, você pisando aí, que nossos passos possam trazer algum benefício para todos os seres!

Um abraço,
Juliene

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